Diagnóstico correto, manejo adequado, acesso a tratamento e a atendimento multidisciplinar são as principais reivindicações de quem sofre com essa doença rara
Por Cristiano Calamonacci

Crédito: Shutterstock
Caracterizada por uma extrema fragilidade da pele e das mucosas, a epidermólise bolhosa é uma doença rara de caráter hereditário, ou seja, que é transmitida de pai para filho. Ela ocorre devido à ausência ou diminuição na produção de colágeno, proteína responsável pela adesão entre as células, o que confere resistência e uniformidade à barreira cutânea.
Como consequência da alteração, ocorre o descolamento da pele e a formação de bolhas, diante de qualquer atrito mínimo. No que se refere à gravidade, a condição varia de superficial e localizada à profunda e severa.
Seja qual for o quadro, se não for adequadamente tratado, é capaz de causar grande sofrimento físico e psicológico ao paciente. “Os bebês já nascem com essa condição. Procedimentos padrão no período neonatal podem agravá-la, promovendo a formação de lesões nas primeiras horas de vida”, alerta a médica especialista em Pediatria, com pós graduação em Dermatologia Pediátrica, Jeanine Magno Frantz, presidente da associação Debra Brasil, em Blumenau (SC). “Movimentos vigorosos, enquanto seca o recém-nascido, a fim de estimular a respiração, passar sonda nasogástrica, para eliminar secreção, e colocar a criança na incubadora (em que o ambiente é aquecido) são cuidados comuns que, para os portadores de epidermólise bolhosa, tornam-se potencialmente nocivos”, esclarece.
Como se não bastasse o incômodo provocado pelas bolhas, elas abrem a guarda da pele para bactérias, tornando-a suscetível a infecções que, em casos extremos, podem evoluir para um quadro generalizado–muitas vezes, fatal.
Diagnóstico
Além de evitar procedimentos prejudiciais na fase neonatal, a identificação da epidermólise bolhosa é importante para garantir um tratamento adequado das lesões, conforme esclareceu Jeanine Frantz. “Frequentemente, a doença é confundida com um quadro infeccioso e a criança é tratada durante meses com antibióticos, o que pode desencadear complicações gastrintestinais, além de selecionar bactérias resistentes”, avisa a médica.
Garantir a amamentação desses bebês é outra preocupação, já que, nem sempre, eles precisam ficar na UTI, afastados da mãe.
Capacitação profissional
Uma vez formadas as lesões, os cuidados específicos passam a ser fundamentais para evitar infecções, capazes de evoluir para um quadro generalizado, muitas vezes, fatal. O problema é que, em boa parte das vezes, os profissionais de saúde não estão preparados para lidar com a doença. “Do banho ao curativo, a falta de conhecimento pode agravar a situação e intensificar a dor”, alerta Jeanine. A educação médica é, portanto, uma das prioridades apontadas no documento enviado ao deputado.
Atendimento multidisciplinar
Fonoaudiólogo, geneticista, oftalmologista, dentista, enfermeira, nutricionista…Todos esses profissionais têm um papel imprescindível no tratamento dos casos mais graves de epidermólise bolhosa. “Na forma distrófica da enfermidade, as feridas dão origem a cicatrizes, formando aderências em diversos órgãos e sistemas, como olhos, esôfago, lingua e mãos”, esclarece a pediatra. “O nutricionista, por exemplo, precisa levar em conta a perda de sangue, que leva à deficiência de ferro, a dificuldade de deglutição, bem como uma maior demanda calórica para o processo de cicatrização”, exemplifica. Já o fonouadiólogo contribui com a melhoria da sucção e da fala. O geneticista estima a probabilidade de transmissão do gene anômalo, em caso de reprodução. E assim por diante. Daí a necessidade de se criar mais centros de referência em doenças raras, capazes de oferecer todos esses serviços necessários aos pacientes.
Acesso
Confeccionados em silicone, hidrofibra, espumas ou outros materias especiais e não aderentes, os curativos específicos para portadores de epidermólise bolhosa se moldam ao corpo, amenizam a dor na hora da troca e protegem a área afetada, prevenindo o ataque de micro-organismos oportunistas. Ou seja, estão entre os elementos mais importantes do tratamento. Ocorre que, por terem custo elevado, não são acessíveis a todos os pacientes. Portanto, muitas vezes, eles são obrigados a entrar na justiça para garantir o fornecimento por parte do Sistema Único de Saúde—e, mesmo assim, ficam sujeitos a falhas na entrega. A incorporação desses itens pelo SUS é, portanto, outra preocupação expressa na carta de reivindicação.
“Essa audiência pública, em São Paulo, foi um primeiro passo. Esperamos que a iniciativa se estenda a outros estados, motivados pelo interesse em melhorar os caminhos para o tratamento”, comenta Jeanine Frantz. “Vale, também, reforçar que só o curativo não basta. A educação, de medicos e familiares, é essencial”, conclui.
Pedido registrado
Confira as principais reivindicações da carta ao deputado Padre Afonso Lobato.
No dia 16 de fevereiro, a Debra Brasil, junto com representantes de associações, participou da audiência pública de São Paulo para discutir propostas para melhorar a vida dos pacientes de Epidermólise Bolhosa (EB). Confira a nossa carta para o deputado Padre Afonso Lobato com as nossas reivindicações:
São Paulo, 24 de fevereiro de 2017
Prezado Deputado Padre Afonso Lobato,
Depois da audiência do dia 16 de fevereiro e baseado nos depoimentos dos pais e pacientes presentes, bem como baseado na minha experiência e convivência com muitos pacientes com Epidermólise Bolhosa, listo abaixo as necessidades mais urgentes que precisam ser implantadas a fim de melhorar a qualidade de vida dessas pessoas, bem como diminuir o sofrimento deles e de seus familiares.
- Revisão do texto do PL 1270/2015, com sugestões de alteração de redação, para apresentação em Plenário ou submeter o texto a Consulta Pública no site da ALESP;
Constituição de um Grupo de Trabalho visando atuar junto á Secretaria Estadual de Saúde para Implantação dos Centros de referência – Doenças Raras, conforme preconiza a Portaria 199/2014, do Ministério da Saúde 30/01/2014, nos Municípios, com organização dos mesmos para atendimento às pessoas com EB, por meio de equipe multidisciplinar, devidamente capacitada para oferecer cuidados gerais, com a pele e mucosas, assistência odontológica, psicológica, ocupacional, cuidados e prevenção de incapacidades;- Produzir e replicar material educativo sobre EB, para distribuição em rede educacional e de saúde, por meio de parceria entre a DEBRA, associações estaduais e todas as entidades que atuam com EB; Esse material deverá abranger dois tópicos:
- Para profissionais que atuam na área de neonatologia, berçários, maternidades, visando favorecer o diagnóstico precoce e contribuir para que se implementem cuidados básicos que assegurem a sobrevida e prevenção de infecções nestas crianças. Como cuidar de uma pessoa com EB durante o período de hospitalização, internação, realização de exames e procedimentos específicos, aspectos nutricionais, fisioterápicos, etc;
- Para pacientes e familiares, com foco nos cuidados e autocuidados, e orientações práticas para o manejo cotidiano do paciente em casa;
- Se possível, permitir colocar material informativo junto aos meios de transportes, como ônibus e metrô (material esse, que será fornecido pela DEBRA);
- Adaptação de protocolos já fornecidos pela DEBRA Internacional à realidade nacional e padronizar insumos e suplementos específicos para o tratamento de EB. (Arquivo em anexo, com a lista de insumos mais utilizados por pacientes com EB deformas mais graves, bem como seu orçamento mensal);
- Estabelecimento de fluxos de atendimento, referência e contra-referência para estes pacientes, entre municípios e estados;
- Promover Seminários e oficinas de Capacitação dos profissionais que atuam na área da neonatalogia, para reconhecimento precoce, manejo básico adequado, encaminhamento para profissionais experts, no caso de suspeita de EB, tanto em centros hospitalares, como em maternidades e casas de parto;
- Utilizar as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) para disseminar informações, permitir orientações e esclarecer dúvidas de cuidadores e profissionais, possibilitara segunda opinião entre profissionais que acompanham as pessoas com EB;
- Incentivo a visita domiciliar pelas equipes de PSF para orientação e supervisão dos cuidados;
- Incentivar a atenção no domicilio, com supervisão de profissionais e orientação dos cuidadores, incentivo ao autocuidado, inserção social, escolarização e adaptação para laboralidade das pessoas com EB;
Propor alteração na Classificação Internacional de Doenças ( atual CID 10 – Q 81 ) , para favorecer direitos a aposentadoria e direitos de pessoas com deficiência.Entidades representadas e presentes, em nome de todos os participantes presente:
- AAPPEB – SP
- APPEB- RJ
- ACPAPEB -SC
- Associação Butterfly
- COREN-SP
- DEBRA Brasil
- DERMACAMP
- IBAGEN
- SOBENDE – Sociedade Brasileira de Enfermagem em Dermatologia
- Associações de pacientes – SOS EB