Pré-natal para o diagnóstico precoce de doenças raras

O avanço na medicina diagnóstica tem sido decisivo na detecção precoce de doenças raras, muitas vezes, ainda durante a gestação. Conheça os recursos disponíveis

 

Ter medo de gerar um filho com doenças cromossômicas é natural. Ainda mais quando se trata de mulheres em idade mais avançada (35 anos ou mais no momento do parto) ou com histórico de enfermidades hereditárias na família, cujo risco é realmente maior.

 

A ascendência familiar pode fornecer pistas importantes sobre a probabilidade de a criança herdar um problema genético, mesmo que seus pais não tenham nenhuma disfunção aparente.

 

Por isso, antes da primeira consulta de pré-natal, é fundamental levantar informações sobre seus ancestrais, como causas de morte, idade de óbito ou em que eventuais doenças foram diagnosticadas, ocorrência de casamento entre parentes, de morte por causa desconhecida, especialmente se prematura, além de características étnicas, que ajudarão o obstetra a conduzir investigações mais direcionadas.

É importante saber que de 80% a 90% das doenças raras têm gatilho genético. O restante corresponde a patologias infecciosas, inflamatórias ou autoimunes. Mas vale lembrar que genético nem sempre é sinônimo de hereditário, ou seja, que passa de pai para filho — tampouco será, necessariamente, transmitido às gerações seguintes.
Por exemplo: todo câncer é consequência de alterações no material genético, mas 90% são deflagrados por hábitos de vida e exposição a fatores de risco, sem ter relação com anomalias genéticas na família.

 

Da mesma forma, é preciso distinguir as doenças hereditárias das congênitas, ou seja, cujos sintomas aparecem já no nascimento ou nos primeiros anos de vida. Certas desordens podem demorar muitas décadas para apresentar sintomas.

 

Uma patologia que começa a se manifestar aos 50 anos de idade pode ter sido, sim, herdada. Aliás, há casos em que uma anomalia em determinado gene é transmitida silenciosamente por dezenas de gerações até comprometer, de fato, a saúde de um membro da família.

Os exames do pré-natal são essenciais para apontar eventuais problemas, oferecendo aos pais condições de enfrentar a situação precocemente, o que, na maioria das vezes, garante melhor qualidade de vida à criança.

 

Cabe ao obstetra unir a história familiar aos resultados dos testes, a fim de interpretar se há risco aumentado para determinada doença rara. Se houver, o ideal seria encaminhar ao casal para o aconselhamento genético, para orientações especificas.

 

Mesmo que não exista nenhuma suspeita, os obstetras tendem a solicitar algumas avaliações de rotina, como as ecografias obstétricas, realizadas em dois momentos distintos da gestação: entre a 11ª e a 14ª semanas e entre a 20ª e a 23ª.

 

Ecografia obstétrica com medida da translucência nucal: realizada durante o exame de ultrassom morfológico (entre 11 e 14 semanas), tem como objetivo medir uma prega na nuca do feto, já que determinadas síndromes cromossômicas promovem acúmulo de líquido nessa região, alterando sua medida. Durante o mesmo exame, também se verifica a presença do osso nasal, cuja ausência é mais um indicador de anormalidade, e o fluxo no ducto venoso, que quando alterado pode ser indicativo de alterações no coração do feto.

 

O resultado da translucência nucal pode ser combinado com o de um exame feito a partir de uma amostra de sangue da mãe, em que são dosadas duas substâncias, o BHCG e o PAPPA, ajudando a identificar possíveis alterações cromossômicas ou cardíacas no bebê. No entanto, é preciso ter em mente que o teste indica apenas uma probabilidade, pois é passível de resultado falso-positivo e falso-negativo.

 

A associação dos dois métodos é uma estratégia que aumenta muito a confiabilidade do resultado. Para se ter uma ideia, a medida isolada da translucência nucal (associada à idade materna) garante uma taxa de detecção em torno de 70%. Ao incluir a avaliação bioquímica, esse índice passa a ser superior a 90%.

 

O obstetra pode, ainda, lançar mão de recursos como o diagnóstico pré-natal não invasivo (que localiza anomalias cromossômicas por meio de uma amostra de sangue da mãe) e outros mais invasivos, como a biópsia do vilo corial ou a amniocentese, a fim de confirmar ou descartar uma eventual suspeita—estes últimos devem ficar restritos aos casos em que há forte suspeita de alteração cromossômica no feto, por conta de múltiplas malformações visíveis na ecografia, por exemplo, ou de risco aumentado para alterações cromossômicas. Ou eventualmente, quando há ansiedade intensa por parte da família em relação ao diagnóstico.

 

Ecografia morfológica: realizada entre 20 e 24 semanas de gravidez, visa avaliar detalhadamente a anatomia do feto, com o intuito de diagnosticar ou descartar malformações fetais.

Até três anos atrás, os únicos exames disponíveis para confirmar o diagnóstico de algumas doenças durante a gestação eram a amniocentese, a cordocentese e a biópsia do vilocorial, cujo inconveniente comum é o fato de serem invasivos, representando risco, mesmo que pequeno, à gestação.

 

Amniocentese: é realizado com o auxílio de uma agulha para puncionar uma amostra de líquido amniótico e analisá-la em laboratório. Ele é capaz de confirmar se o bebê tem ou não determinado problema, mas só é indicado se houver suspeita, com base em alterações em exames anteriores ou doença hereditária na família. Realizado a partir de 15 semanas de gravidez, é capaz de acusar centenas de doenças, como a anemia falciforme ou talassemia, a distrofia muscular e a fibrose cística. Se não houver outra indicação específica de investigação, habitualmente serão rastreadas alterações cromossômicas por meio do cariótipo fetal.

 

Cordocentese: é feito a partir de 18 semanas de gestação e requer a retirada de uma amostra de sangue do bebê, por meio do cordão umbilical, para investigar anomalias cromossômicas, além de doenças como toxoplasmose, rubéola, anemia ou citomegalovírus. Se não outra houver indicação específica de investigação, habitualmente serão rastreadas alteraçõess cromossômicas, por meiodo cariótipo fetal.

 

Biópsia do vilo corial: por meio de uma punção, entre 10 e13 semanas, realizada com uma agulha, o especialista retira uma amostra de tecido da placenta, cujo material genético é idêntico ao do bebê, e o analisa em laboratório, rastreando alterações como a síndrome de Turner, a fibrose cística e a anemia falciforme. Se não houver outra indicação específica de investigação, habitualmente serão rastreadas alterações cromossômicas, por meiodo cariótipo fetal.

Uma grande evolução na medicina diagnóstica pré-natal se deu há três anos, com o advento do Teste Pré-Natal Não-Invasivo – NIPT (non-invasive prenatal testing, em Inglês), que possibilita identificar ou descartar problemas genéticos no bebê, a partir de uma amostra de sangue da mãe, com um índice de acerto de 99% para as síndromes de Down, de Patau, de Edwards, de Klinefelter e de Turner. Disponível só na rede particular, ele é feito a partir de nove semanas de gravidez e o resultado sai em poucos dias. Um inconveniente é o preço, que gira em torno de três mil reais. Importante ressaltar que este exame não substitui os métodos invasivos citados, pois não permite uma análise completa dos cromossomos, apenas uma avaliação especifica para as síndromes investigadas. Todo exame alterado deve ser confirmado, idealmente, por uma avaliação direta do material fetal (amniocentese ou cordocentese). É questionável, também, o uso deste tipo de exame em caso de malformação confirmada no feto, considerando que a análise por meio da amniocentese ou da cordocentese é mais completa. O NIPT é geralmente indicado para gestantes de menor risco para anomalias cromossômicas ou com idade materna avançada e sem histórico familiar de alterações.

Fontes: Salmo Raskin, geneticista especializado em pediatria, professor da PUC-PR e diretor do Centro de Aconselhamento e Laboratório Genetika, em Curitiba (PR); Dafne Horovitz, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Mestre em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro na área de Triagem Genética Pré-Natal e geneticista da Ceres Genética- Centro de Referência e Estudos em Genética Médica, no Rio de Janeiro

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