Primeiro Centro de Doenças Raras para Crianças no Reino Unido está sendo coordenado pela médica brasileira que pretende estender a iniciativa e compartilhar os resultados com crianças que sofrem de doenças raras de outros países, inclusive do Brasil
Por Gláucia Padilha
Brasileira, nascida em São Paulo, neta de ucranianos que imigraram para o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial, a médica pediatra, Larissa Kerecuk, que há 30 anos vive no Reino Unido, está fazendo a diferença na vida de crianças com doenças raras na Inglaterra. Responsável pelo departamento de doenças raras do Hospital de Crianças de Birmingham, Larissa está à frente de um projeto que visa angariar fundos para a criação do primeiro Centro de Doenças Raras para Crianças no Reino Unido.
A ideia, segundo a médica, é dar mais qualidade de vida e oferecer uma estrutura que ajude pacientes e seus familiares a lidarem com essas doenças. Recentemente, o Hospital Infantil de Birmingham foi classificado pela General Medical Council (GMC) como o melhor do país em residência para jovens médicos.
Em entrevista exclusiva ao portal Muitos Somos Raros, Larissa Kerecuk conta como chegou ao posto de Líder Clínico do hospital para comandar a criação do centro, da luta para angariar recursos, o que vai mudar no atendimento às mais de 9 mil crianças que vivem com mais de 500 condições raras e outras 5 mil que ainda buscam por um diagnóstico.
Ela fala ainda do grande interesse da direção do hospital em cooperar com grupos internacionais de doenças raras, entre eles o Brasil, e do objetivo principal que é desenvolver o melhor atendimento médico possível e acelerar a pesquisa voltada aos pacientes, beneficiando crianças e pacientes com doenças raras no mundo inteiro. “Nós sabemos que o Brasil tem uma população muito grande e muitos pacientes com doenças raras, daí o nosso interesse em fazer algo para também ajudar pacientes no Brasil.” E destaca seu amor pelo país onde nasceu e viveu até os 13 anos de idade.
Há tanto tempo afastada do Brasil, o que mais marcou a sua vida na terra natal?
O Brasil é e sempre será muito importante tanto para mim quanto para a minha família. Meus avós eram da Ucrânia e emigraram para o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial. Foi esse país que deu-lhes refúgio da guerra, bem como, domicílio seguro.
E como você e sua família foram parar na Inglaterra?
Enquanto morávamos em São Paulo, minha mãe ensinava inglês e era formadora de professores, trabalhando para a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa. Depois, nós nos mudamos para Curitiba. Foi então que minha mãe foi convidada a visitar a Inglaterra para compartilhar o seu trabalho no Reino Unido. Aqui (Reino Unido) ela fez seu doutorado e trabalhou para o “Foreign Office” (ministério de relações exteriores).
Eu tinha 13 anos quando viemos para a Inglaterra e foi aqui em Londres que eu vivi grande parte da minha vida escolar. Estudei medicina no “Guy’s and St Thomas’s Hospitals”, Universidade de Londres, onde me graduei com Medalha de Ouro. Após a graduação resolvi me especializar em pediatria e, em seguida, em nefropediatria (no Brasil é Nefrologia Pediátrica).
Porque a escolha da pediatria e a especialização em nefrologia pediátrica?
Sempre tive um imenso interesse em genética renal e na base subjacente de doenças, e a maioria de meus pacientes tem doenças raras. Em 2009, tornei-me médica especialista (“Consultant”) e tive a sorte de ir trabalhar no Hospital de Crianças de Birmingham em 2010.
Como surgiu o convite para a criação do primeiro Centro de Doenças Raras para Crianças do Reino Unido?
O nosso hospital tinha uma visão de desenvolver o primeiro Centro de Doenças Raras do Reino Unido para crianças na faixa etária de zero a 18 anos de idade. Tive êxito ao me candidatar para o posto de Líder Clínico, em março de 2015, com a responsabilidade de desenvolver o centro.
Orgulho-me muito de meu trabalho com nossas crianças, jovens, famílias, assim como a equipe fantástica que formamos no hospital.
O que vai mudar no atendimento às crianças com a construção do novo centro?
Cada vez mais, pacientes com condições muito raras e complexas são atendidos em nosso hospital, e cada uma dessas crianças, na verdade, todas, merecem ser tratadas de maneira única e personalizadas. Hoje, o Hospital de Crianças de Birmingham atende mais de 9 mil crianças, que vivem com mais de 500 condições raras e outras 5 mil que ainda buscam por um diagnóstico.
O tratamento destes pacientes é excelente, no entanto, as instalações deixam um pouco a desejar. Ou seja, essas famílias passam muito tempo dentro do hospital, em consultas com diferentes especialistas, em diferentes dias, em diferentes departamentos hospitalares.
Com o novo centro nós vamos poder melhorar a vida de milhares de famílias com crianças que batalham contra uma condição de saúde rara ou não diagnosticada.
De onde virão os recursos?
A Entidade Beneficente do Hospital de Crianças de Birmingham (Birmingham Children’s Hospital Charity) lançou a campanha “Apelo de Estrelas” (Star Appeal) para angariar fundos. A meta é levantar 3,65 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 14 milhões) para a construção do centro.
Em doze meses conseguimos levantar mais de 1,5 milhão de libras esterlinas (cerca de R$ 6 milhões), que é fantástico, mas há ainda um longo caminho para percorrer para podermos alcançar a nossa meta. Por isso resolvemos realizar uma exposição de fotografias, inspirada numa iniciativa similar de Nova York, no centro de Birmingham, intitulado “Estrelas da Alameda Steelhouse”, com retratos e histórias de 11 crianças que enfrentam algumas das mais raras doenças do mundo atendidas no hospital.
Fisicamente como será esse novo espaço?
O centro será incorporado em um novo edifício, parte de reformas mais abrangentes da sede do hospital situado à Steelhouse Lane, no centro da cidade de Birmingham, que além de melhores instalações contará com um espaço para brincar, dedicado e seguro, para crianças com todos os tipos de aptidões.
Pela primeira vez, vamos reunir uma equipe de peritos de diferentes especialidades de nosso hospital, sob um único teto, que trabalharão coletivamente para prover atendimento holístico e coordenado para as nossas crianças e jovens afetados por doenças raras.
Com isso, as famílias não vão mais precisar enfrentar consultas com diferentes especialistas, em diferentes departamentos, em diferentes dias. A precisão de entrega desse novo espaço é final de 2017.
Quais serão os benefícios para os familiares e pacientes desse novo espaço?
Posso afirmar que serão muitos. Por exemplo, vamos proporcionar um maior entrosamento entre as famílias e os pacientes. Normalmente, tanto as famílias quanto os pacientes sentem-se sós com a sua condição de saúde, sendo que o novo centro dará a eles a oportunidade de conhecer outras pessoas que enfrentam desafios semelhantes, que passam pelo mesmo que eles. Isso ajuda muito ao longo do tratamento.
Vai haver uma melhora muito importante na área de diagnóstico. Estima-se que 46% de famílias que vivem com uma doença rara, podem ter que esperar por mais de que um ano para obter um diagnóstico. O novo centro empenhar-se-á em dar respostas necessárias com muito mais rapidez.
Com o novo centro vamos poder incrementar fortemente a área de pesquisa e possibilitar aos pacientes o acesso a tudo que há de avanços de pesquisa médica.
Teremos uma Coordenadoria de Atenção Médica e pela primeira vez vamos contar com uma equipe composta de todas as especialidades médicas de nosso hospital de crianças trabalhando conjuntamente, sob o mesmo teto.
Qual é a capacidade de atendimento do seu hospital? E como funciona no dia a dia esse atendimento? É tudo gratuito?
O Hospital de Crianças de Birmingham, um de apenas quatro hospitais auto-suficientes de crianças no Reino Unido, é um líder mundial em tratamento pediátrico com mais de 270.000 consultas de pacientes por ano. O hospital atende uma em cada cinco crianças em Birmingham e uma em cada oito de todo o condado de West Midlands.
Administrado pela NHS Foundation Trust (uma unidade organizacional semi-autônoma do Sistema Nacional de Saúde britânico), o hospital realiza tratamentos altamente avançados, bem como, procedimentos cirúrgicos complexos, além de realiza pesquisa e desenvolvimento de vanguarda.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças raras atingem 8% da população mundial. Você acha que está havendo um movimento positivo no sentido de aprofundar a discussão e atenção em torno dessas doenças e com isso impulsionar de forma efetiva o desenvolvimento de pesquisas voltadas ao diagnóstico, medicamentos e tratamentos?
Doenças raras e medicamentos órfãos, cada vez mais, geram interesse e ganham proeminência em todo o mundo. Isto resulta, em parte, de melhores tecnologias de genética e de reconhecimento de que a base de muitas doenças raras pode também explicar doenças mais comuns. A tecnologia genômica irá, também, personalizar a medicina de modo que o nosso atendimento passará a ser proativo em vez de ser reativo. Isto possibilitará atendimento único para cada paciente, com a característica de ser bem coordenado e integrado com as pesquisas, e esperamos que haja um aumento no número de tratamentos disponíveis.
Você diria então que a criação do centro do Birmingham é um exemplo dessa mudança?
Sim. A criação do primeiro Centro de Doenças Raras para Crianças do Reino Unido do Hospital de Crianças de Birmingham mostra que estamos dando um passo extremamente importante para se melhorar o atendimento aos pacientes afetados por doenças raras por meio de um diagnóstico melhor, e provendo melhor apoio, bem como, coordenação de atendimento médico. Além do que, a pesquisa será parte integral do atendimento, o que melhorará os resultados de tratamento para muitas crianças afetadas por doenças raras.
A espera por um diagnóstico pode ser de até um ano. Queremos mudar isto, e é por isso que o nosso novo centro empenhar-se-á na melhoria de diagnósticos, dando às famílias respostas necessárias com muito mais rapidez.
Orgulhamo-nos de trabalhar com crianças e famílias afetadas por doenças raras, em cada passo de suas trajetórias, porque sabemos que eles são os verdadeiros especialistas, particularmente, ao considerarmos suas experiências. Somos muito afortunados no Reino Unido por termos o NHS (Sistema Nacional de Saúde) e entidades beneficentes fantásticas tais como a “Birmingham Children’s Hospital Charity”, cuja meta única é melhorar o atendimento médico e as experiências de crianças, jovens e suas famílias no nosso hospital.
Você diz que gostaria muito de estender a iniciativa ao Brasil e de compartilhar os resultados do novo modelo de atendimento do Birmingham com as crianças brasileiras que sofrem de doenças raras e seus familiares. Como seria isso?
Gostaríamos sim de estender a iniciativa ao Brasil. Nós sabemos que o Brasil tem uma população muito grande e muitos pacientes com doenças raras e nós temos muito interesse em fazer algo para também ajudar pacientes brasileiros.
Com o desenvolvimento do Centro de Doenças Raras do Hospital de Crianças de Birmingham, daremos início ao desenvolvimento de melhores diagnósticos, com mais apoio, com melhor coordenação de atendimento bem como com mais pesquisa. Assim sendo, este conhecimento e modelo beneficiarão crianças e pacientes com doenças raras no mundo inteiro.
Daí o nosso grande interesse de cooperar com grupos internacionais de doenças raras, incluindo o Brasil, claro, com o objetivo de desenvolver o melhor atendimento médico possível e acelerar a pesquisa voltada aos pacientes com essas doenças.
Você também é responsável por outro projeto importante do Birmingham, certo? Que projeto é esse?
Sim, é o Projeto Genoma 100.000 no Hospital de Crianças de Birmingham, um projeto do Reino Unido, que proverá medicina genômica personalizada para o Sistema Nacional de Saúde (NHS) (https://www.genomicsengland.co.uk/the-100000-genomes-project/).