A garota que aos 13 anos sonhava em ser “paquita” foi surpreendida aos 18 anos com a notícia da doença, se isolou, teve depressão, mas descobriu que o caminho da felicidade estava apenas em suas mãos
Por Gláucia Padilha
Quem vê Natache Iamaya, 34 anos, esbanjando beleza e alegria em ensaios fotográficos ou nas passarelas de Milão, o templo mundial da moda, não imagina a luta que teve de travar e a força que teve de buscar para chegar até aqui. Diagnosticada aos 18 anos com Ataxia de Friedreich, doença genética rara que causa a perda gradual da coordenação e degeneração do sistema nervoso, Natache sofreu, mas não desistiu, lutou, perseverou e venceu não a doença que não tem cura, mas o medo e a vontade de viver e ser feliz.
No auge de sua vida, ainda na pré-adolescência, aos 13 anos, fase em que as garotas começam a descobrir a sexualidade, só pensam em se divertir, ser admirada pelos garotos da escola, Natache começou a sentir alguma coisa de diferente: o andar era cambaleante, falta de equilíbrio e coordenação motora, falava muito baixo e de forma lenta.
Nem ela e nem ninguém entendia o que estava acontecendo, mas logo sentiu na pele a força do preconceito e do julgamento. “Onde eu estava eu era apontada como a garota bêbada, drogada, por causa dos sintomas. É muito triste porque eu estava naquela idade que me produzia para ser admirada, ser conquistada e conquistar, e não ser discriminada como fui”.
Descobrir o que a filha tinha fez a família de Natache iniciar uma longa peregrinação pelos consultórios médicos em busca de uma explicação. A espera por um diagnóstico correto durou dos 15 aos 18 anos, uma rotina marcada por exames e consultas e muitos resultados errados. “A dificuldade de diagnosticar essa doença no país ainda é muito grande. Eu demorei mais de cinco anos indo aos melhores médicos, fazendo exames e mais exames, até descobrir a doença.“
Esse foi, talvez, o pior momento para ela. “Essa espera gera uma ansiedade muito grande e que corrói por dentro. Você sofre muito imaginando o que será o seu problema e mil coisas passam pela cabeça.” Após o resultado do exame genético, o alívio. “Com o diagnóstico definitivo, pelo menos eu descobri com o que estava lidando e percebi que a única coisa que poderia fazer é lutar bravamente contra a doença.”
Apesar da força de vontade, a doença que além de grave pode causar problemas de visão, cardíacos, urinários e até mesmo diabetes, mexeu com a autoestima da jovem e ela embarcou num isolamento total para não enfrentar tudo e todos. “Fiquei abalada, lógico, mas com os conselhos dos médicos comecei a pensar de forma positiva sobre tudo o que estava acontecendo comigo. Percebi que a depressão só piora o estado de saúde, então, decidi que queria viver.”
Desde então, além de lutar contra a progressão da doença e os problemas que ela traz consigo, Natache segue uma rotina de cuidados especiais com a saúde que inclui atividades para estimular o corpo como exercícios físicos e aeróbicos, principalmente, e pilates, e estimulação russa, além de tratamento fonoaudiológico e psicológico.
Medo e vergonha de ser diferente
Natache conta que só mais tarde é que compreendeu que o isolamento não era a melhor saída e que a mudança de rumo dependia apenas dela. “Entendi que somente eu poderia lutar contra o preconceito das pessoas e isso só aconteceria enfrentando as ruas, voltando a ter uma vida ativa, mostrando que na realidade todos os diferentes são normais, todos somos iguais.”
A garota que sonhava em ser “paquita” na pré-adolescência cresceu e aos 25 anos com a progressão da doença começou a andar em cadeira de rodas e junto a isso descobriu uma nova profissão: modelo. Fez ensaios, look books, desfiles e trabalhos em feiras de negócios no Rio de Janeiro onde vive com os pais e acabou sendo eleita a primeira top model cadeirante brasileira. “Comecei com a idéia da modelagem pós cadeira, tudo para reforçar a idéia de que ao contrário do que muita gente pensa existe sim beleza na deficiência física.”
Com isso, a vergonha de ser diferente, o medo do que estava por vir e o isolamento ficaram para trás. A partir daí, Natache conta que começou de fato a viver mais intensamente a vida. “Mantenho uma rotina de exercícios físicos e musculação. Faço o que gosto e com quem eu gosto, seja ir à praia, ao shopping, ou apenas ler um livro. Viajo com meu namorado que também tem a AF e levamos juntos uma vida bastante ativa”.
Natache dá um conselho para aqueles que estão vivendo situação parecida à dela: que não se isolem e não se envergonhem da situação e, principalmente, não desanimem. “Faça como eu, procure não pensar no futuro. Viva o dia de hoje e com muita esperança no amanhã. Independente de ter cura ou não, a esperança de viver o hoje e da melhor maneira possível é a grande sacada e o melhor para a nossa saúde física e mental. O importante é a vida, o agora.“
Musa do ToplessinRio
E foi essa vontade de viver, de curtir a vida, que deu a Natache a grande chance de ser escolhida, em 2015, entre dezenas de candidatas, como a nova musa do ToplessinRio, concurso realizado no Rio de Janeiro, chamando a atenção e colocando em foco o problema do preconceito e da acessibilidade no Brasil.
Em outubro de 2016, participou do conceituado fashion show em Milão, evento pioneiro no mundo, envolvendo modelos femininos e masculinos, andantes e cadeirantes de várias nacionalidades, promovido pela Fundação Vertical, quando segundo ela “teve pela primeira vez a experiência da verdadeira inclusão”.
Graças a seus trabalhos como modelo e suas conquistas no ativismo pelos direitos de deficientes e mulheres, Natache foi eleita embaixadora no Brasil pela FARA (Friedreich’s Ataxia Research Alliance), órgão internacional sem fins lucrativos que dá suporte e apoio aos portadores de Ataxia de Friedreich, além de incentivar pesquisas no campo científico em busca de uma cura para a doença.
Campanha para incentivar tratamento
Atualmente, Natache está envolvida com outros familiares e portadores de AF numa campanha nacional que visa descobrir novos casos e criar um cadastro que será utilizado para reforçar a luta de pacientes, amigos e familiares, junto ao governo, na liberação de medicamentos que podem ajudar a retardar os efeitos da doença.
“Sabemos que há muitas pessoas com sintomas que nem sequer sabem que tem a doença. Outras que têm vergonha e outros que não têm acesso ao diagnóstico porque o exame molecular é caro e não tem cobertura do SUS. O objetivo é encontrar o maior número possível de portadores diagnosticados e a partir daí incentivar a importância de termos um cadastro nacional e juntos lutarmos por melhor atendimento e tratamento da doença.”O cadastro pode ser feito na Abahe (Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias, através do site http://www.abahe.org.br/ e na Fara (Friedreich’s Ataxia Research Alliance) no site http://www.curefa.org/index.php.
Documentário
“Uma Vida Sem Limites” é um longa-metragem em formato de documentário, que contará a história de força e superação de Natache Iamayá, sob sua própria perspectiva, acrescida de depoimentos de seus familiares, amigos, médicos e outros profissionais de saúde.
Conhecendo a Ataxia de Friedreich
O que é
É uma das formas de ataxia hereditária que existem. Nesse caso a herança genética é autossômica recessiva, ou seja, é necessário que dois pais (um pai e uma mãe) portadores da mutação, mas que não tem os sintomas tenha um filho que apresente a mutação vinda de ambos os lados (paterno e materno) para ser doente. O risco de um casal de portadores de ter um filho doente é de 25%.
Causa
É uma doença genética com mutação no gene que codifica a proteína Frataxina. A doença atinge ambos os sexos.
Sintomas
A doença em geral tem início na infância ou adolescência (mas pode em alguns casos mais raros começar mais tarde na vida) e leva a incoordenação motora progressiva, ou seja, progressivamente vão aparecendo dificuldades para andar, para pegar objetos, para engolir (engasgos pela incoordenação dos movimentos do engolir), dificuldade para a fala. Além disso, existem alguns sintomas que não são neurológicos como uma maior predisposição para o diabetes, problemas cardíacos e alterações na coluna vertebral.
Prevenção, diagnóstico e importância do diagnóstico precoce
Por ser uma doença genética não existe prevenção da doença, mas sim a prevenção das complicações da doença, ou seja, fisioterapia, tratamento fonoaudiológico, monitorização da glicose no sangue e exames para identificar as alterações cardíacas de coluna o mais precocemente possível para tratar adequadamente. O diagnostico inicial é baseado em critérios clínicos, porém a confirmação se dá através de testes moleculares.
Tratamento
A doença não tem cura, mas as complicações não neurológicas como o diabetes, alteração cardíaca e de coluna podem ser controladas. Existem também várias drogas que têm sido testadas e parecem ter algum efeito nos sintomas neurológicos, daí a necessidade de maior rapidez no diagnóstico para que sejam tomadas medidas médicas importantes para conter a evolução da doença e tratar suas complicações mais graves.
O tratamento deve ser feito por neurologista em conjunto com médicos de outras especialidades como endocrinologista, cardiologista e ortopedista, além de profissionais de fisioterapia e fonoaudiologia.
Estatísticas
Ataxia de Friedreich é a forma de ataxia hereditária mais freqüente e a estimativa é de que sua prevalência seja 1:30. 000 a 1:50.000 casos no mundo todo.
Fonte: Iscia Lopes Cendes, médica geneticista e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de Campinas (Unicamp).