Triagem neonatal permite detectar doenças raras antes que se manifestem
Identificar certas enfermidades nos primeiros dias de vida significa uma perspectiva de vida mais longa e com qualidade para os bebês que acabam de chegar ao mundo
Muitas doenças raras têm um caráter progressivo e degenerativo, promovendo danos cumulativos. Isso quer dizer que diagnosticá-las e iniciar o tratamento antes do aparecimento dos sintomas é o melhor dos mundos para barrar sua progressão e preservar a qualidade de vida do paciente.
Vale lembrar que as enfermidades raras afetam entre 3% e 5% dos nascidos vivos, ou seja, 1,3 indivíduos em cada 2 mil, o que justifica a preocupação e a necessidade de intensificar o rastreamento.
O primeiro passo para detectar doenças metabólicas, genéticas ou infecciosas, frequentemente capazes de comprometer o desenvolvimento neuropsicomotor da criança, é o Teste do Pezinho, também chamado de triagem neonatal. Realizado na própria maternidade, no posto de saúde ou em laboratório, a partir de 48 horas após o nascimento (e sem ultrapassar o sétimo dia de vida), consiste na retirada de uma gota de sangue da região do calcanhar, rica em vasos sanguíneos, por meio de uma picada praticamente indolor.
Existem diferentes tipos de Teste do Pezinho. O padrão, oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), dentro do Programa Nacional de Triagem Neonatal, detecta seis doenças: Fenilcetonúria, Hipotireoidismo congênito, Anemia falciforme, Fibrose cística, Hiperplasia adrenal congênita (HAC), Deficiência de biotinidase. Em laboratórios particulares, é possível realizar o teste estendido, que permite identificar de 40 a 50 doenças antes de seus sintomas se manifestarem.
Segundo as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, alguns sintomas no período neonatal podem estar relacionados a enfermidades raras e merecem investigação, como: hipoglicemia sem justificativa, alcalose respiratória (alteração relative à descompensação na respiração), odors incomuns, problemas neurológicos, sem que estejam relacionados a intercorrências durante o parto, instabilidade na temperatura corporal, dificuldades alimentares, catarata (opacidade do cristalino) congênita, aumento anormal do coração, alterações em exames laboratoriais, como cetonúria (presença de corpos cetônicos na urina), síndrome séptica (infecção generalizada) sem fator de risco e alterações sanguíneas inexplicadas. Problemas na gravidez, como a síndrome de HELLP, e histórico familiar de abortos espontâneos, mortalidade precoce e doenças não esclarecidas também são motivos de uma avaliação mais criteriosa.Vale ressaltar que, mesmo se o teste do pezinho apontar um resultado normal, esses sinais de alerta justificam uma investigação mais direcionada e ampliada.
Vários estudos têm demonstrado que o acompanhamento no período perinatal consegue reduzir a mortalidade materno-infantil. Portanto, o primeiro compromisso ao deixar a maternidade é procurar um pediatra.
A partir da primeira consulta, ele passa a conhecer todo o histórico familiar do bebê. Durante o exame físico, ele verifica o tamanho da cabeça, dos pés e o desenvolvimento psicomotor da criança, entre outros aspectos, para identificar quaisquer anormalidades.
De acordo com as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, alguns sinais específicos levantam suspeita para doenças raras ao longo da infância e requerem uma avaliação minuciosa: distúrbios metabólicos sem uma origem definida, quadros recorrentes de vômitos ou desidratação, deficiência intelectual injustificada, perda da fala e/ou marcha e/ou compreensão, anormalidades oculares, como retinose pigmentar ou cegueira familiar , quadro semelhante a acidente vascular encefálico (AVC) em qualquer idade e epilepsia sem explicação, entre outros sintomas neurológicos.
Caso uma doença rara seja diagnosticada, será necessário recorrer a uma equipe multidisciplinar, que inclua um geneticista e profissionais especializados nas complicações inerentes à doença, como cardiologista, nefrologista, neurologista e/ou fonoaudiólogo. Mas o ponto de partida para a avaliação e o encaminhamento deve ser o consultório do pediatra.
No site da Sociedade Brasileira de Genética Médica, você encontra a relação das instituições que realizam aconselhamento genético (http://sbgm.org.br/servicos.asp), uma lista de geneticistas por estado (http://sbgm.org.br/socios.asp), e de laboratórios especializados em exames de genética (http://sbgm.org.br/laboratorios.asp).
Fenilcetonúria: primeira doença a ser detectada por meio do teste do pezinho, é desencadeada por uma falha na produção da enzima fenilalanina hidroxilase (PAH). Apesar de não existir cura, o diagnóstico precoce dessa doença é fundamental para possibilitar o início precoce do tratamento, prevenindo o retardo mental que caracteriza os quadros descontrolados. Indivíduos que tiveram um filho com a disfunção apresentam um risco de 25% de gerar um novo descendente em cada gestação.
Hipotireoidismo congênito: ocorre quando a tireoide do bebê não fabrica os hormônios tireoidianos a contento, o que compromete seu desenvolvimento, com risco de provocar danos neurológicos permanentes se não houver tratamento adequado.
Fibrose cística: também conhecida como Doença do Beijo Salgado, é uma enfermidade genética, crônica, que afeta principalmente os pulmões, o pâncreas e o sistema digestivo, favorecendo a ocorrência de infecções respiratórias e gastrintestinais. A fibrose cística afeta cerca de 70 mil pessoas em todo mundo, configurando a patologia genética grave mais comum da infância, segundo a Associação Brasileira de Assistência à Mucoviscidose.
Anemia falciforme e outras hemoglobinopatias: alteração da hemoglobina que dificulta a circulação e oxigenação das células, podendo afetar quase todos os órgãos e tecidos do organismo, favorecendo, inclusive, a ocorrência de atraso no crescimento e infecções generalizadas.
Hiperplasia adrenal congênita (HAC): é caracterizada por uma alteração genética na glândula adrenal, responsável por fabricar os hormônios cortisol e aldosterona que, por sua vez, regulam uma série de funções no organismo, como a pressão arterial e a retenção de líquidos no organismo. Nos casos mais graves, pode provocar problemas cognitivos, insuficiência renal e até a morte. Daí a importância de corrigir a disfunção o quanto antes.
Deficiência de biotinidase: é uma doença metabólica em que há falha no aproveitamento da vitamina biotina, presente em alimentos como as carnes. A carência pode ocasionar, entre outros problemas, atraso no desenvolvimento, convulsões, erupções na pele, perda da audição e problemas de fala. As manifestações variam entre discretas ou evidentes, o que pode impactar na dificuldade de diagnóstico.
Fontes: Salmo Raskin, geneticista especializado em pediatria, professor da PUC-PR e diretor do Centro de Aconselhamento e Laboratório Genetika, em Curitiba (PR); Dafne Horovitz, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica, Mestre em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro na área de Triagem Genética Pré-Natal e geneticista da Ceres Genética- Centro de Referência e Estudos em Genética Médica, no Rio de Janeiro