Dificuldade em achar profissionais especializados para cuidar da filha com doença rara leva mãe a criar o AppNany, aplicativo para quem busca babá
Por Gláucia Padilha
Fim da licença maternidade, término do trabalho de conclusão (TCC) do MBA FGV (Fundação Getúlio Vargas), e uma criança recém-nascida com doença rara, Atresia de Esôfago, uma má formação congênita em que não há desenvolvimento adequado do esôfago (tubo que normalmente transporta o alimento da boca para o estômago), que exige cuidados especiais no dia a dia.
E foi assim que começou a busca incessante dos pais Priscila Fiorin, jornalista e relações públicas, 37 anos, e Helton Falusi, empresário, por um profissional especializado, de preferência com curso de enfermagem, nível técnico, para cuidar da neném. Até encontrar a pessoa certa foram mais de dez entrevistas, sendo que apenas duas atendiam aos pré-requisitos. “Eu precisava de uma babá com curso de enfermagem, nível técnico, para lidar com a sonda e com a incisão que ela tinha no pescoço e não podia deixá-la na escolinha”, conta Priscila.
Em meio a esse turbilhão de novas demandas é que surgiu a idéia de desenvolver um aplicativo, o AppNanny, que ajudasse mães na busca por babás especializadas. A própria Priscila é quem desenvolveu e executou o plano de negócios da plataforma. O marido que trabalha com tecnologia desenvolveu a plataforma e é responsável pela administração do aplicativo.
Hoje já são 150 mães e mais de 500 babás de todo o Brasil, cadastradas, gratuitamente, no AppNany. Ainda dentro do app é possível pesquisar outras especificidades do profissional como falar outra língua, disponibilidade para viajar ou ter experiência em cuidar de crianças com deficiência ou doenças raras. “A ideia é que a família possa achar qualquer perfil de babá, da mais qualificada até uma sem experiência. Seja para trabalhar como mensalista, folguista ou qualquer outra necessidade”, explica Priscila.
O aplicativo vem atraindo também babás empregadas em busca de trabalho extra como folguista que desejam reforçar a renda. “Muita gente está se cadastrando de olho nas oportunidades do inicio do ano quando as babás tiram férias e a família contrata uma substituta temporária”, diz Priscila.
Como funciona?
A pesquisa de profissionais é livre, mas, para visualizar o perfil completo de uma babá, é necessário adquirir créditos, disponíveis em pacotes de R$ 25 (cinco créditos) a R$ 250 (60 créditos).
Informações endereço e documentação das profissionais são previamente verificados pelos administradores antes de realizar o cadastro.
Ao se cadastrar pela primeira vez, os pais ganham cinco créditos para que possam conhecer o aplicativo gratuitamente. https://appnanny.com.br/
Do limão, a limonada
A gravidez de Catarina, hoje com 1 ano e 9 meses, única filha de Priscila e Helton, foi planejada e bastante tranqüila até o bebê nascer. Ao invés da cor de pele rosada, como todo neném, Catarina oscilava entre a cor azulada, rosada e azulada novamente. A criança também respirava com dificuldade e liberava secreção pela boca e pelo nariz.
Assim como todos os bebês, Catarina passou por uma série de exames e todos deram normais, o que indicava que ela era um neném saudável. O problema é que mesmo na incubadora neonatal, a cor continuou azulada.
Alertados pelos pais, os médicos transferiram a pequena para a UTI onde colocaram uma sonda para checar o pulmão para ver se tinha alguma infecção, mas a sonda não passou e ficou parada indicando que Catarina tinha Atresia de Esôfago. “Sempre sonhei que a primeira coisa que faria depois do parto seria amamentar minha filha. Sorte que meu marido é muito atento, porque se tivesse feito isso poderia ter colocado a vida dela em risco já que ela poderia ter aspiração no pulmão.”
Priscila conta que foi muito difícil essa fase da descoberta da má formação da filha com todas as conseqüências que advinham disso tudo, afinal nem ela e nem o pai esperavam qualquer coisa de errado no nascimento do bebê aguardado com todo o carinho pela família. “Fizemos lembrancinhas para entregar para os nossos visitantes, os muitos amigos que temos e o duro foi não falar sobre o que estava acontecendo porque nem mesmo nós sabíamos explicar.“
Cirurgia
Com apenas 48 horas de vida, Catarina foi submetida a uma cirurgia para unir o coto do esôfago com o estômago. Já na UTI ela se alimentava normalmente, mas uma semana depois da cirurgia os pais descobriram que não tinha dado certo o procedimento. Como ela chorava muito, os médicos resolveram medir o PCR (proteína C reativa), cuja presença é indicadora de processos inflamatórios.
O resultado foi positivo para algum tipo de infecção podendo ser ou não meningite para desespero dos pais. Felizmente, o problema era que os pontos da cirurgia tinham aberto e ela teria que fazer uma nova cirurgia. “Acho que eu morri um pouco nesse dia. Ela ficou 28 dias na UTI com sonda, foi se recuperando e foi para casa.” A alimentação de Catarina seria via sonda até que ela completasse um ano para então ser submetida a uma nova cirurgia para a retirada da mesma e reconstrução do esôfago com um pedaço do intestino.
Já em casa, o casal teve de se adaptar à nova rotina de cuidados com Catarina. Priscila passou a amamentar e ajudava a filha a exercitar a deglutição dela. “Ela sugava lindamente normal, mas não se alimentava, pois o leite saia por uma incisão no pescoço onde o coto do esôfago estava desviado.”
Com dois meses um novo susto: a sonda se soltou. Mas o pai que já havia sido orientado soube colocá-la no lugar. Priscila evitava sair muito com ela por causa da higiene. Em casos desse tipo de cirurgia o cuidado com a higiene é de suma importância para evitar infecções. São necessários cuidados especiais diários em volta do botton (sonda) porque a pele pode ficar irritada e lesionada pela ação do atrito ou do vazamento do suco gástrico e, eventualmente, umidade. E tudo isso exige muita atenção dos cuidadores ou dos pais.
Com um ano e um mês de idade ela fez a cirurgia de reconstrução do esôfago (Esofagocolonplastia) que consiste na retirada de uma porção do intestino grosso e posteriormente colocada no esôfago. A cirurgia foi muito bem sucedida. Hoje, ela se alimenta pela boca normalmente. A única coisa que ela não tem é a válvula do esôfago. Passou por fonoaudiologia para aprender a mastigar e engolir. “A perspectiva vai mudando conforme o tempo passa. Hoje, ela fala tudo. Anda. Mesmo antes da cirurgia ela já era uma criança feliz, afinal ela não conhecia outra forma de viver.”
Conhecendo a Atresia de esôfago
O que é
Atresia do esôfago é uma malformação em que não o órgão não se desenvolve a contento.
Tipos
A forma mais frequente é quando o pedaço (coto) de cima é fechado e o de baixo termina com uma comunicação com a traqueia. O certo seria o esôfago ir direto da boca até o estômago. O tipo mais comum de Atresia do esôfago é o da figura número 1 da imagem abaixo em que a porção superior do esôfago termina em fundo cego e a porção inferior tem uma comunicação com a traqueia.
Associações
A Atresia de esôfago pode estar associada a outras malformações como, por exemplo, do coração, ou a outros problemas.
Causa
Apesar de o gatilho da doença ser desconhecido, ela é mais frequente em crianças cujas mães apresentaram excesso de líquido amniótico durante a gestação. É frequentemente associada ainda a outras anomalias congênitas, como comunicação interventricular, persistência do canal arterial ou tetralogia de Fallot.
Sintomas
Como há interrupção do esôfago, o bebê não consegue se alimentar. E nos casos em que há comunicação de um dos cotos do esôfago com a traquéia pode haver aspiração de conteúdo do esôfago para a traquéia ocasionando falta de ar e infecções respiratórias.
Prevenção
Não existe.
Diagnóstico
Quando há suspeita clínica, o médico coloca uma sonda para confirmar o diagnóstico. A sonda que tem de ir da boca para o estômago não passa. O diagnóstico pode ser feito ainda com a criança no berçário. Em alguns casos, na minoria, consegue se fazer o diagnóstico antes de nascer. Radiografia simples também confirma o diagnóstico.
Diagnóstico precoce
O diagnóstico precoce é fundamental para iniciar o tratamento para que a criança possa se alimentar.
Tratamento
Em alguns casos já é possível realizar a cirurgia no recém-nascido para juntar os pedaços e reconstruir o esôfago. Em outros casos realiza-se uma cirurgia para colocar uma sonda diretamente no estômago do bebê (gastrostomia) para que ele possa se alimentar e fica até mais ou menos um ano de idade quando se fará a cirurgia para a reconstrução do esôfago. Esta é uma cirurgia grande e delicada. Depois a vida praticamente é normal.
Profissional
O pediatra é o responsável pelo diagnóstico. Já o procedimento cirúrgico é realizado por um cirurgião pediátrico.
Estatística
A incidência na população é em torno de 1 para 4000 nascimentos.
Fonte: Ana Cristina Aoun Tannuri, professora da Faculdade de Medicina da USP e cirurgiã pediátrica do Hospital das Clínicas de SP (HC).