No Brasil, o diagnóstico e o tratamento de doenças raras no SUS deixam a desejar
Por Antônio Marinho, especial para o Muitos Somos Raros
A realização do 13th International Congress of Inborn Errors of Metabolism (Congresso Internacional de Erros Inatos do Metabolismo – ICIEM 2017) no Rio de Janeiro – reunindo mais de dois mil participantes – sendo 1.300 estrangeiros – reforça a importância do Brasil como referência nas áreas de pesquisa, diagnóstico e tratamento de doenças raras. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 400 milhões de pessoas no mundo sofrem de doenças raras genéticas ou não-genéticas e necessitam de cuidados e tratamentos específicos, que em muitos casos são inacessíveis. No ICIEM 2017 – até o dia 8 de setembro no Centro de Convenções do hotel Windsor – os destaques são os avanços no diagnóstico e no tratamento dos Erros Inatos do Metabolismo (EIM), alterações com prevalência estimada em 1:800 indivíduos (similar à da Síndrome de Down) que prejudicam muito a qualidade de vida dos pacientes.
As alterações por EIM causam diferentes defeitos graves que atingem a síntese, a degradação, o processamento e o transporte de moléculas do organismo, explica e médica geneticista, Carolina Fischinger, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica (www.sbgm.org.br). Segundo a especialista, é preciso conscientizar a sociedade para a importância do diagnóstico precoce e a capacitação de um maior número de especialistas para realizar o atendimento desses pacientes (e de outras doenças raras) e o aconselhamento genético de famílias.
“Os sintomas dos EIM prejudicam a qualidade de vida dos pacientes, quando essas doenças não são detectadas e tratadas precocemente. A prevalência no Brasil é semelhante a das populações dos Estados Unidos e da Europa e temos na rede privada meios de diagnóstico e tratamentos iguais aos dos centros mais desenvolvidos do mundo, porém na rede pública precisamos melhorar”, diz Carolina.
Apenas há três anos o tema doenças raras recebeu maior atenção por parte do Ministério da Saúde, com a publicação da portaria que criou a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no Sistema Único de Saúde (SUS). O objetivo foi constituir uma rede de atendimento para o diagnóstico e o tratamento de oito mil doenças raras conhecidas. A medida estabeleceu a incorporação de 15 novos exames de diagnóstico de doenças raras e o aconselhamento genético no SUS. Mas esse atendimento funciona de forma precária.
“No Brasil ainda ocorre um grande número de nascimentos de bebês com doenças raras e muitos desses casos poderiam ser evitados com o aconselhamento genético às famílias. As consultas durante o pré-natal são importantes, mas dificilmente levam a um diagnóstico precoce de doenças raras genéticas ou não. A não ser que o médico assistente tenha a informação de que há casos nas famílias do casal” – acrescenta Carolina. “E vemos com frequência situações em que a criança fica sem um diagnóstico ou ele é errado. Ela não recebe o tratamento adequado. Daí a importância do aconselhamento genético com médico especialista para famílias em risco para doenças raras”, afirma a médica.
A proposta (PLC 56/2016) da Política Nacional para Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) define como doença rara aquela que afeta até 65 em cada 100 mil pessoas. E prevê, entre outras ações, o suporte às famílias dos pacientes com doenças raras e a estruturação de pelo menos um centro de referência em cada estado.
“No que diz respeito aos centros de referência há grande dificuldade para implementação desses serviços”, diz Carolina.
No Brasil não há dados epidemiológicos atualizados sobre doenças raras. Porém, com base em publicações internacionais, estima-se que elas atingem de 0,5 a 7 por dez mil habitantes. No grupo das genéticas (classificação que inclui anomalias congênitas; deficiência intelectual/cognitiva e doenças metabólicas) os tratamentos podem ser simples, como, por exemplo, a orientação dietética para crianças com fenilcetonúria (detectada no teste do pezinho em triagem neonatal) ou uso de fórmulas, terapia de reposição enzimática e medicamentos a um alto custo em casos de mucopolissacaridoses. Há outro grupo de doenças raras, as não-genéticas, que podem ser infecciosas, inflamatórias e autoimunes.