Por Mara Gabrilli, exclusivo para o Muitos Somos Raros
Patrick Dorneles, militante de anos da causa dos raros no Brasil, assumiu recentemente o mandato inédito de deputado federal. Nascido na Paraíba e diagnosticado com uma doença rara e degenerativa, a mucopolissacaridose, ele chega, nesse mês raro, não só coroando uma história de luta, mas carregando também grandes missões. A primeira, no entanto, já está cumprida: Patrick ocupa um espaço no Congresso, que nunca foi de uma pessoa com doença rara em toda história do nosso país. E isso, por si só, é de um simbolismo enorme e muito importante não só para o segmento, mas para nossa democracia, que só se fortalece quando de fato traz um recorte do que é a sociedade, diversa.
Assim como foi para as pessoas com deficiência, que por muito tempo não tiveram representatividade, as pessoas com doenças raras também carecem de voz, de alcance, de espaço nas esferas de poder.
Como a primeira tetraplégica – e muitas vezes a única – a ocupar determinados cargos, sei do impacto que a chegada de Patrick pode ter, pois não há forma mais legítima de se trabalhar para um segmento do que quando se é igual, quando se vive a mesma luta, quando se vive na pele a realidade daqueles que representamos.
Desde que passei a atuar na causa das doenças raras, percebo que o problema não é só a ausência de tratamentos e medicamentos voltados para essa população. Falta informação, falta voz de comando, falta falar de raros com os raros.
Muitas vezes presenciamos a falta de familiaridade dos próprios gestores do Ministério da Saúde, que desconhecem uma ou outra doença rara, principalmente aquelas consideradas ultrarraras. E como parlamentar, Patrick tem tudo para mudar isso e transformar o dilema do raro em solução familiar.
Não podemos mais permitir que a falta de conhecimento inviabilize que as políticas públicas cheguem às pessoas com doenças raras. A própria comunidade médica, inclusive, não é preparada adequadamente na graduação para atender pessoas com doenças raras. Os médicos acabam se deparando com os casos quando já estão atuando. E na maioria das vezes o diagnóstico acontece muito tardiamente.
Não por acaso, venho batendo na tecla há algum tempo sobre a urgência de as faculdades de medicina incluírem em suas grades de ensino disciplinas relativas à genética médica, por exemplo, para ajudar no diagnóstico precoce de doenças raras, principalmente daquelas doenças degenerativas. No Senado Federal, temos cobrado o Ministério da Educação, para que essa mudança seja implantada o mais rápido possível nas faculdades de medicina por todo o Brasil.
Lembro ainda que temos a Portaria nº 199, de 30 de janeiro de 2014, do Ministério da Saúde, que representou grande avanço para a atenção integral às pessoas com doenças raras, mas, em termos de efetivação da política pública, ainda falta muito para que o impacto aconteça na vida dos pacientes.
Ainda não temos PCDTs para a maioria esmagadora das doenças, bem como medicamentos para tratá-las. O desafio é tão grande, que ultrapassa a barreira financeira, tão falada durante as análises de recomendação de tecnologias nos sistemas de saúde. Se considerarmos a existência de 6 mil a 8 mil diferentes doenças raras, a discrepância é gritante quando pensamos em tratamentos disponíveis. Não chegamos nem à primeira centena de PCDTs ou de medicamentos incorporados no SUS. Além disso, são pouquíssimos os Serviços de Referência no país. A maioria deles ainda se concentra na região sudeste do Brasil, o que torna o desafio de Patrick ainda maior para o povo de sua Paraíba.
A necessidade de ampliar a atenção integral às pessoas com doenças raras é tão urgente que, no final de 2021, a ONU adotou a Resolução “Enfrentando os desafios das pessoas que vivem com uma doença rara e de suas famílias”. A iniciativa tem o objetivo de que todos os Estados-Membros fortaleçam seus sistemas de saúde para promover atenção integral, equânime e universal a todos os acometidos por uma condição rara. O Brasil, junto ao Catar e a Espanha, teve papel muito importante no processo inicial de proposição da Resolução.
Evidente que não podemos dizer que não estamos caminhando. São Paulo mesmo terá o primeiro hospital referência em tratamento para doenças raras no mundo. Mas esse passo pode – e deveria ser – mais largo.
Isso aconteceria, por exemplo, se a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde, a Conitec, avaliasse em menor tempo um maior número possível de tecnologias para tratamentos de doenças raras, encontrando modelos alternativos de incorporação, que é o que já ocorre em outros países. Afinal, é essa morosidade no processo de incorporação que leva famílias a apelarem à judicialização para acessar o que necessitam. Um caminho que exige maiores cifras da União, atinge poucas pessoas e que gera desgaste físico, emocional e financeiro para quem já está em situação de extrema vulnerabilidade.
No Senado, também já apresentei um requerimento para que a Comissão de Assuntos Sociais avalie a Política de Incorporação de Tecnologias no SUS. Estamos bem empenhados sobre este tema. Minha equipe e eu temos trabalhado em um plano de ações para elucidar os principais entraves e as oportunidades, para os processos de precificação, incorporação e dispensação de tecnologias no SUS. Em breve teremos uma proposta robusta a apresentar.
Costumo dizer que estou de passagem e sou apenas um instrumento para que os lugares se tornem acessíveis para todo e qualquer cidadão. Foi assim desde a Secretaria da Pessoa com Deficiência na capital Paulista. Foi assim nas Câmaras Municipal e Federal.
Agora, no Senado, temos a oportunidade de dar mais visibilidade não só às pessoas com deficiência, mas também aos brasileiros com doenças raras, que ganharam um representante de peso para lutar por elas. Que neste Dia Mundial das Doenças Raras, saibamos unir forças e dar cada vez mais voz e alcance aos vulneráveis do Brasil. Porque não há desenvolvimento pleno de uma nação quando as diferenças são jogadas para escanteio. Ao contrário: só é possível prosperar quando vozes coexistem e atuam juntas para melhorar a vida de todos.
Mara Gabrilli, é Senadora da República representando o estado de São Paulo. É presidente da Frente Parlamentar Mista de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Publicitária e psicóloga, também foi vereadora na Câmara Municipal e Secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo.